O Tacho – Lenda Coariense 3

Tacho de Ouro

Antônio Cantanhede

A lenda “O Tacho” sintetizada e narrada por Antônio Cantanhede descreve mais um episódio da eterna busca do ouro pela Amazônia e agora em cenário coariense.

Tacho de Ouro

Nos tempos em que a religião católica romana predominava, era crença geral que as mais vultosas fortunas fossem privilégio dos ministros do Padre Eterno, entre os mortais, e assim, não raro criavam-se lendas, em volta de qualquer agrupamento dos missionários de antanho.

Fala-se, na cidade de Coari, não como lenda, mas como verdade incontestável, na existência de um grande tacho cheio de ouro, imerso no lamaçal do leito de um igarapezinho que deságua no lago de Coari.

Referem historiadores do Amazonas que, depois do Padre Samuel Fritz, austríaco de nascimento, outros missionários espanhóis foram-se acomodando pelo rio Solimões, com o objetivo muito louvável, nesse século de conquista, de alargar os já imensos domínios de sua Majestade Católica de Espanha.

Fundaram eles muitas missões, com o auxílio do elemento indígena, que iam chamando à civilização e incutindo-lhes no ânimo seus credos religiosos. Assim, os Catauxis, Muras, Jumas, Jurimáguas e outros, pelo efeito de adaptação aos costumes dos catequistas, em breve se transformaram em eficientes elementos de combate, em prol dos esforçados evangelizadores.

Com os aldeamentos, alargavam-se as já vastas ocupações territoriais dos espanhóis, no Solimões, sendo a sede de suas missões no lago de Coari, a aldeia denominada Alvelos, hoje conhecida por Freguesia Velha.

Sempre ciumento de suas terras na América, Portugal não vira com bons olhos a intromissão daquela gente em seus domínios, e assim, a luta, entre lusos e castelhanos chegara até ali, dando lugar a que ora Alvelos estivesse em poder dos missionários espanhóis,  ora sob o domínio das forças armadas de Portugal.

Daí as precauções tomadas por aqueles na guarda dos seus haveres. Tinham os depósitos de dinheiro que, nesses belos tempos, era em ouro cunhado ou em barras, em local distante e acima da povoação. Possuíam, ao que se acreditava, grandes somas, verdadeiros tesouros, acumulados por longos anos em suas excursões pelo nordeste da terra brasileira, então objeto da cobiça dos holandeses, dali expulsos pelo governo de Portugal.

Mas, por volta de 1710 dava-se a expulsão dos espanhóis, das missões do baixo Solimões e foi naturalmente, por essa época que, temendo ver caírem seus grandes haveres em poder dos portugueses, que os podiam colher de surpresa, utilizaram-se do falado tacho, e cheio este de ouro e bem fechado, fora lançado ao leito desse igarapé, que ficou sendo conhecido por igarapé do Tacho.

Os naturais, em muito pequeno número, que assistiram a essa manobra dos jesuítas, não tentaram dali retirar o precioso tesouro porque aqueles padres fizeram-nos crer que tê-lo deixado entregue à guarda de uma cobra-grande, tradicionalmente conhecida dos aborígenes por GUARIBA. Entretanto, quando algum audacioso se aproximando do local fazia tentativas para retirar o tacho, tempestuosas ventanias desabavam na região, intimidando o aventureiro, que desistia da empresa. Se em época invernosa, acompanhava-se a tempestade do esturrar do tiri-tirí-manha.

Pelo verão, o leito do igarapé fica a descoberto, mas, ao avizinhar do aventureiro, abrem-se as  nascentes das águas e em pouco tempo o lamaçal se  cobre de água corrente, do que tem resultado não mais se fazerem tentativas, conforme afirmam os naturais daquelas bandas, para a emersão desse tesouro, real ou imaginário, que dizem existir no igarapé do Tacho, poucas milhas distante da cidade de Coari.

NOTA: Tiri-tirí-manha ou Dirim-dirim-manha: Mãe do terremoto, da tempestade. Apelido de uma espécie de jacaré, que tem a cauda bipartida e é muito barulhento.

O Padre Samuel Fritz faleceu em Quito – Peru, aos 74 anos, em março de 1728.

Leia mais em:

Toadas do Boi Corre Campo – Coari – 1993

Cleomara vence o Miss Amazonas em 1992

Cobra Grande do Lago de Coari, no rio Amazonas

Está gostando ? Então compartilha:

3 comentários em “O Tacho – Lenda Coariense 3”

  1. Desde que chegaram, os homens brancos buscam ouro na região amazônica, como vemos atualmente no rio Madeira. Essa lenda instiga a imaginação de quem a lê. Será que ainda há algum tacho perdido nas regiões isoladas no lago de Coari?

  2. Pingback: Professor Góes — 50 anos de dedicação a Coary – Cultura Coariense

  3. Pingback: Toadas do Boi Corre Campo - Coari - 1993 – Cultura Coariense

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Brisa
Literatura
Archipo Góes

Minha Brisa Rosa

A autora relembra sua infância em Coari e as aventuras com sua bicicleta Brisa rosa, presente de seu pai em 1986. Após passeios noturnos pela cidade, um acidente lhe deixou uma cicatriz e encerrou sua relação com a bicicleta. A história mistura nostalgia e a lembrança de uma época marcada por diversão e pequenos riscos.

Leia mais »
Escadaria
Crônicas
Archipo Góes

Escadaria

O texto descreve uma viagem nostálgica da autora ao ser transportado de um trânsito parado para memórias de infância nos anos 80 em Coari. O caminho até a escadaria envolvia passar por figuras e locais marcantes da cidade. Ao chegarem ao rio, ela passava horas flutuando e apreciando aquele cenário.

Leia mais »
dança
Dança
Archipo Góes

Corpos em Movimento: Workshop Gratuito de Dança em Coari

O projeto “Corpos”, contemplado pelo edital Paulo Gustavo, oferece aulas gratuitas de Dança Contemporânea e Improvisação para jovens e adultos a partir de 11 anos. As oficinas exploram a expressividade corporal, a improvisação e o aprimoramento de técnicas básicas, com direito a certificado ao final do curso e uma demonstração artística para a comunidade.

Leia mais »
Garantianos
Folclore
Archipo Góes

Correcampenses x Garantianos

A crônica Correcampenses x Garantianos, narra a rivalidade entre os bois-bumbás Corre-Campo e Garantido em Coari, marcada por brigas e um episódio de violência em 1989. A retomada do festival em 1993 e a vitória do Corre-Campo geraram reações distintas. A crônica reflete sobre a polarização social, a cultura popular como identidade local e a importância da tolerância para a harmonia.

Leia mais »
Santana
Literatura
Archipo Góes

Um dia de Santana em Coari em uma Igreja Ministerial

O texto narra a vivência da festa da padroeira de Coari, retratando a devoção à Santana, a padroeira da cidade, e a importância da fé para o povo local. A narrativa destaca a movimentação do porto, a participação dos trabalhadores da castanha, a procissão, a missa e o arraial, revelando a religiosidade popular e a cultura local. A história do patrão e dos trabalhadores da castanha ilustra a exploração do trabalho na região, enquanto a presença do bispo e dos padres reforça o papel da Igreja Católica na comunidade. O texto termina com a reflexão sobre a fé, a esperança e a importância da preservação da tradição.

Leia mais »
Guadalupe
Literatura
Archipo Góes

O Trio Guadalupe – 1987

O texto narra as memórias da autora sobre sua infância na década de 80, marcada pela paixão por filmes de dança e pela amizade com Sirlene Bezerra Guimarães e Ráifran Silene Souza. Juntas, as três formavam o Trio Guadalupe, um grupo informal que se apresentava em eventos escolares e da comunidade, coreografando e dançando com entusiasmo. O relato destaca a criatividade e a alegria das meninas, que improvisavam figurinos e coreografias, e a importância da amizade que as uniu. Apesar do fim do trio, as memórias das apresentações e da cumplicidade entre as amigas permanecem como um símbolo daquela época especial.

Leia mais »
maçaricos
Literatura
Archipo Góes

Os maçaricos do igarapé do Espírito Santo têm nomes

Maçaricos, aves e crianças, brincavam lado a lado no Igarapé do Espírito Santo em Coari–AM. Um local de rica vida natural e brincadeiras, o igarapé variava com as cheias e secas, proporcionando pesca, caça e momentos marcantes como a brincadeira de “maçaricos colossais” na lama. O texto lamenta a perda da inocência e da natureza devido à exploração do gás do Rio Urucu e faz um apelo para proteger as crianças e o meio ambiente.

Leia mais »
Rolar para cima
Coari

Direiros Autorais

O conteúdo do site Cultura Coariense é aberto e pode ser reproduzido, desde que o autor “ex: Archipo Góes” seja citado.