Os Carnavais de Coari – Década de 1980

Carnavais

O texto narra com saudade as vivências dos carnavais de Coari nos anos 80, quando as ruas eram tomadas por blocos irreverentes e a alegria do povo. As lembranças dos desfiles e das disputas repletas de cores e personagens mostram como a festa era um símbolo de união e identidade local.

DOI

Os carnavais de Coari da década de 80 eram sempre surpreendentes, cheio de histórias e casos que retratam um tempo em que ainda se podia brincar, dançar e pular carnaval pelas ruas de nossa cidade. Era comum se fantasiar de forma bem característica, excêntricas e até espalhafatosa com roupas grandes, velhas, com enchimentos de panos que deixavam todos com aparência de “velhos políticos dos anos 50”. Mas, na verdade eram figuras muito cômicas, pois as máscaras eram de estilo de carrancas. De tão assustadoras chegavam a ser extremamente engraçadas, e o grande desafio era adivinhar quem era quem.

No final da tarde a festa começava com o carnaval de rua, organizado pela prefeitura de Coari, acontecendo sempre na Rua XV de Novembro, a conhecida “Rua da Frente” pelos mais antigos coarienses. Era um momento em que toda a população ia assistir os blocos carnavalescos que desfilavam ao som das marchinhas de carnaval coariense.

Os blocos eram muito diversificados e com os nomes bem irreverentes, como As Piranhas, As Virgens na Folia, Os Piratas do Seringal (que mais tarde passou a se chamar os Piratas do Morro), Os Bebês de Proveta, A Turma do Funil, Os Fantásticos e muitos outros.

Nos blocos “As Piranhas” e “As Virgens”, os homens da cidade se reuniam e se vestiam de mulher, com roupas “emprestadas” de mães, irmãs, tias ou até mesmo das avós para brincar o carnaval. Eram bastante engraçados e toda a avenida esperava à sua passagem para rir de suas brincadeiras e das fantasias com personagens da televisão, como Xuxa e Mulher Maravilha.

Lembro-me que certa vez estava passando em frente da casa dos padres, e na varanda estava o saudoso Pe. Jackson que me cumprimentou e foi interrompido pelo barulho de dois jovens fantasiados de ciganas que passavam de moto e mexeram com outro colega que estava sentado na escada que dá acesso à catedral da cidade. Foi uma cena hilariante e constrangedora que gerou o seguinte comentário do reverendo:

− O carnaval desperta alguma coisa em alguns homens que os fazem soltar o que estava preso o ano inteiro. − Eu apenas sorri e concordei.

E assim era o carnaval na pacata Coari dos anos 80. Pacata? Nem tanto! Coari não tinha uma população assim tão conformada e anestesiada como hoje. Na verdade, era uma cidade de povo bastante animado, independente e próspero. E em fevereiro sempre havia grandes disputas para ver quem seriam os melhores do carnaval, o melhor bloco, a mais bonita rainha ou a melhor escola de samba… Sim, nos anos 80, Coari tinha escolas de samba, como Os Brasas, Os Filhos da Inocência e a primeira que foi o Império dos Camanholas, criada pelos funcionários da Comara (Comissão de Aeroportos da Região Amazônica), que se estalaram em Coari para construir o aeroporto e asfaltar a estrada de acesso.

Outra lembrança do Carnaval Coariense da década de 80 que trago na mente, era a disputa pela escolha da mais bonita fantasia de luxo, que era uma das grandes atrações da festa. Eram fantasias cheias de plumas, brilhos e bastante criatividade. O precursor das fantasias de luxo em Coari foi o Dr. Assis, dentista bastante conhecido na cidade. Mas, a grande disputa do carnaval era entre os professores Mica e Rubinho, que todos os anos se superavam e nos presenteavam com belíssimas obras de artes em forma de fantasias carnavalescas de luxo.

Carnavais

Hoje, não temos mais nosso carnaval tradicional de tantos anos, no entanto, a prefeitura já chegou a financiar desfiles das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro e levar seus amigos desembargadores para assistir de camarote; tudo pago com dinheiro da grande arrecadação de Coari. É festa dos royalties!

Em Coari, eu assistia todas as apresentações e desfiles de camarote também, mas, no muro do quintal da nossa casa. Era o melhor lugar para acompanhar toda aquela festa! Nossa casa recebia a visita dos tios, tias, primos, primas e tudo virava festa. As tábuas em cima de tijolos completavam o nosso local especial e sabíamos todos os detalhes, do então, verdadeiro carnaval coariense.

Hoje, tudo isso não existe mais, o nosso quintal se transformou em pontos comerciais que a família aluga para ajudar em nossa renda. E minha casa foi construída na laje, em cima dos pontos comerciais. De certa forma, eu ainda vivo em cima de minhas melhores lembranças.

Quando digo que tudo terminou, na verdade, o Carnaval de Rua de Coari foi erradicado ou até desenraizado, sendo transformado em uma imitação barata do carnaval baiano. Dessa forma, sumiu as nossas marchinhas e a festa deixou de acontecer nas ruas e mudou-se para um “centro acultural”. Houve uma cópia grotesca da cultura baiana, realizando um carnaval com trio elétrico e abadás, que em nossa cidade foi nomeado erroneamente de Aimará, no qual foi encontrado, não sei onde, que seria uma vestimenta indígena de festa. Contudo, Aimará é uma língua indígena do povo Andino, ainda falada hoje por aquelas bandas… E assim, a cultura do Carnaval Coariense totalmente pereceu.

Até as festas nos clubes hoje já não existem mais. Parece que o carnaval ficou mais triste e violento em Coari. Hoje é comum em alguns clubes ou boates apenas tocar forró em plena festa de momo.

Sinto saudades ainda dos carnavais no Refúgio Dois Pinguins. As festas do Pedro Abinader eram sempre bem organizadas, pacíficas e muito concorridas, com bandas da Polícia Militar de Manaus e repertórios com as marchinhas tradicionais de carnavais, piscina liberada e a presença de toda sociedade coariense. Eram festas que sempre reencontrávamos os coarienses que residiam em Manaus, que todos os anos vinham passar o carnaval em Coari.

Lembro-me que sempre encontrávamos as várias turmas de colegas da escola com fantasias bonitas e combinando entre si. As mulheres mais bonitas da cidade sempre marcavam presença e eram festas que produzia um bom “colírio” para iniciar o ano. Mas quem dava sempre show sambando era a Amanda Jacomassi. Amandinha tinha um repertório amplo de passes de samba e a sensualidade de uma menina mulher. Era muito gostoso vê-la sambar – o carnaval ficava mais colorido.

Boas lembranças dos carnavais de Coari, época de diversão, reencontros e paixões de carnaval. Nossa cidade não tinha grande movimentação financeira, mas era rica de amizades, diversão e um povo hospitaleiro e ordeiro, que adorava pular carnaval na rua XV de Novembro.

Leia mais em:

Escadaria

Correcampenses x Garantianos

Um dia de Santana em Coari em uma Igreja Ministerial

Fátima Acris – 50 Anos de Nossa Primeira Miss Amazonas

Está gostando ? Então compartilha:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Brisa
Literatura
Archipo Góes

Minha Brisa Rosa

A autora relembra sua infância em Coari e as aventuras com sua bicicleta Brisa rosa, presente de seu pai em 1986. Após passeios noturnos pela cidade, um acidente lhe deixou uma cicatriz e encerrou sua relação com a bicicleta. A história mistura nostalgia e a lembrança de uma época marcada por diversão e pequenos riscos.

Leia mais »
Escadaria
Crônicas
Archipo Góes

Escadaria

O texto descreve uma viagem nostálgica da autora ao ser transportado de um trânsito parado para memórias de infância nos anos 80 em Coari. O caminho até a escadaria envolvia passar por figuras e locais marcantes da cidade. Ao chegarem ao rio, ela passava horas flutuando e apreciando aquele cenário.

Leia mais »
dança
Dança
Archipo Góes

Corpos em Movimento: Workshop Gratuito de Dança em Coari

O projeto “Corpos”, contemplado pelo edital Paulo Gustavo, oferece aulas gratuitas de Dança Contemporânea e Improvisação para jovens e adultos a partir de 11 anos. As oficinas exploram a expressividade corporal, a improvisação e o aprimoramento de técnicas básicas, com direito a certificado ao final do curso e uma demonstração artística para a comunidade.

Leia mais »
Garantianos
Folclore
Archipo Góes

Correcampenses x Garantianos

A crônica Correcampenses x Garantianos, narra a rivalidade entre os bois-bumbás Corre-Campo e Garantido em Coari, marcada por brigas e um episódio de violência em 1989. A retomada do festival em 1993 e a vitória do Corre-Campo geraram reações distintas. A crônica reflete sobre a polarização social, a cultura popular como identidade local e a importância da tolerância para a harmonia.

Leia mais »
Santana
Literatura
Archipo Góes

Um dia de Santana em Coari em uma Igreja Ministerial

O texto narra a vivência da festa da padroeira de Coari, retratando a devoção à Santana, a padroeira da cidade, e a importância da fé para o povo local. A narrativa destaca a movimentação do porto, a participação dos trabalhadores da castanha, a procissão, a missa e o arraial, revelando a religiosidade popular e a cultura local. A história do patrão e dos trabalhadores da castanha ilustra a exploração do trabalho na região, enquanto a presença do bispo e dos padres reforça o papel da Igreja Católica na comunidade. O texto termina com a reflexão sobre a fé, a esperança e a importância da preservação da tradição.

Leia mais »
Guadalupe
Literatura
Archipo Góes

O Trio Guadalupe – 1987

O texto narra as memórias da autora sobre sua infância na década de 80, marcada pela paixão por filmes de dança e pela amizade com Sirlene Bezerra Guimarães e Ráifran Silene Souza. Juntas, as três formavam o Trio Guadalupe, um grupo informal que se apresentava em eventos escolares e da comunidade, coreografando e dançando com entusiasmo. O relato destaca a criatividade e a alegria das meninas, que improvisavam figurinos e coreografias, e a importância da amizade que as uniu. Apesar do fim do trio, as memórias das apresentações e da cumplicidade entre as amigas permanecem como um símbolo daquela época especial.

Leia mais »
maçaricos
Literatura
Archipo Góes

Os maçaricos do igarapé do Espírito Santo têm nomes

Maçaricos, aves e crianças, brincavam lado a lado no Igarapé do Espírito Santo em Coari–AM. Um local de rica vida natural e brincadeiras, o igarapé variava com as cheias e secas, proporcionando pesca, caça e momentos marcantes como a brincadeira de “maçaricos colossais” na lama. O texto lamenta a perda da inocência e da natureza devido à exploração do gás do Rio Urucu e faz um apelo para proteger as crianças e o meio ambiente.

Leia mais »
Rolar para cima
Coari

Direiros Autorais

O conteúdo do site Cultura Coariense é aberto e pode ser reproduzido, desde que o autor “ex: Archipo Góes” seja citado.