Os maçaricos do igarapé do Espírito Santo têm nomes

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Da torre da Igreja de Sant’Ana, vemos a extensão do Igarapé do Espírito Santo, estendendo-se da matinha das carreiras dos barcos em conserto até as proximidades da Capela de Santo Afonso, situada no “Alto do Bode”. Situo o leitor na cidade de Coari, Am.

Da “makira” (rede de dormir) na torre da Igreja, se vê, em épocas de enchente, as igaras (canoas), entrando e saindo do igarapé, driblando o mureru. As águas vêm do Rio Solimões, desdobram e formam o igarapé do Pêra. Pelo lado desta aventura, as águas chegam até a barragem que as impedem de correr mais adiante, quando em outros tempos ancestrais, provavelmente, seguiam até o retorno ao lago de Coari, por outro trajeto.

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O sucesso da Igarapé (rio que corre) se deve a barragem servindo de estrada para ir ao bairro do Espírito Santo. São águas represadas que se povoaram com mureru por cima e de um zoológico de peixes exóticos debaixo da lâmina de água, que sobe e desce, permitindo que até camarões se criem. Fundo lameado para o habitat de muçuns, bodós e comedores de barro.

Certamente, as cobras e flores, por lá, se encontravam, entre as vitórias régias sobrantes. Dizem os mais antigos que essas cobras se esticavam e se faziam de pontes para incautos passarem de uma margem a outra. “Era um tempo em que até as crianças brincavam na toca das serpentes”, como se lê no sonho do profeta Isaías, 11,8 – “A criança de peito brincará sobre a toca da cobra, e a já desmamada meterá a mão no ninho da serpente”.

A topografia do leito do igarapé é disforme. Quando a seca chega, as partes altas e mais plainas surgem e servem de campo de futebol para a garotada que foge da uka (casa) para se lambuzar de lodo.

Conheço um atleta entre outros, apelidado por mim de “maçaricos colossais” que só deixavam os olhos sem lama, de fora, para se disfarçar dos poucos marrecos e bacuraus que dormiam. Mas era a noite que acontecia a farra de matança desses inocentes pássaros que se ofuscaram com as lanternas. Depois da bola rolar e os jogadores deslizaram na lama, os corajosos ainda iam mergulhar por debaixo do monturo aquático de mureru e erguer a cabeça, onde os inocentes aves maçaricos engrossaram as pernas. Sonhavam em ser águias e conseguiram.

Certa vez, um maçarico humano, amigo meu, desafiou os colegas para ver quem passava mais tempo mergulhado na lama. Ao sair do lamaçal, formou-se um batalhão de gente parecido com espantalhos ambulantes. O povo apavorado veio para o barranco, armado de espingarda. Mas o Maçarico chefe sinalizou do meio dos espantalhos, passou a mão no rosto e identificou-se, negociando a paz. As espingardas baixaram e começaram as palmas. Disse-me a polícia que essa brincadeira só cessou quando apareceu um “mijacão” nos pés da garotada. Mas curados, tornaram-se pescadores de camarão “micuim”, desses pequeninos que os maçaricos apreciam. Coitados dos famintos que tiveram de levantar voo por falta de comida. Perderam a vez para o pescador e caçador de bacurau noturno.

Maçarico passarinheiro, fazedor de bolotas de barro para abater pássaros no voo, tinha até uma “padaria” artesanal no fundo do quintal. Acho que tinha também uma churrasqueira que exalava o perfume triste dos mártires das baladas. Passada a fase de matador de passarinho para comer, havia outros engenhos de criança sapeca.  De dia, redes artesanais, feitas de sacos de cebola serviam de arrastão.

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O maçarico-mor, chegava em casa com aplausos da mãe. Ela esquecia, no meio da tarde, de mascar tabaco, para preparar o camarão do jantar. Caída a noite, só havia coragem para matar bacurau, na praia grande na frente da cidade, voltar para a uka (rede) e dormir cedo debaixo do mosqueteiro.

No dia seguinte, bem cedo, já estava acordado e indo com pai entregar o “pão nosso de cada dia” para seus clientes.

Nessa relação do pai com o pão, que o maçarico-mor aprendeu a repartir a vida e encontrar a Deus na natureza e na fome dos que não tem o que comer.

Em nome das crianças que brincavam livres nas águas e viveram uma infância feliz, chega uma lágrima nos olhos

Hoje, muitas crianças pobres estão sem brincar na natureza, tal como foi com ele e sua geração de moleque, nas andanças e nos mergulhos no igarapé do Espírito Santo. Fica gravado o registro criativo da época, antes da descoberta do gás do Rio Urucu, que sujou de sangue as águas mansas, onde a infância de Coari fazia a festa da vida.

Vamos trabalhar para que cada criança se torne uma águia, no céu azul, depois da fase de maçaricos espertos na infância.

Jamais viver nas águas sujas de sangue e exploração!

Jamais sejam violentadas em seu corpo e em sua alma!

SEMPRE JUNTOS no Enfrentamento do Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes.

18 de maio de 2023.

O boi de França e o boi de Ioiô

Um Corpo Santo e as serpentes na brisa leve e na água agitada

O Novenário de Santana

Entre águas e sonhos: uma tragédia anunciada – Botos

Como se Preparar para o Miss Coari – 2017

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4 comentários em “Os maçaricos do igarapé do Espírito Santo têm nomes”

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Brisa
Literatura
Archipo Góes

Minha Brisa Rosa

A autora relembra sua infância em Coari e as aventuras com sua bicicleta Brisa rosa, presente de seu pai em 1986. Após passeios noturnos pela cidade, um acidente lhe deixou uma cicatriz e encerrou sua relação com a bicicleta. A história mistura nostalgia e a lembrança de uma época marcada por diversão e pequenos riscos.

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Escadaria
Crônicas
Archipo Góes

Escadaria

O texto descreve uma viagem nostálgica da autora ao ser transportado de um trânsito parado para memórias de infância nos anos 80 em Coari. O caminho até a escadaria envolvia passar por figuras e locais marcantes da cidade. Ao chegarem ao rio, ela passava horas flutuando e apreciando aquele cenário.

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dança
Dança
Archipo Góes

Corpos em Movimento: Workshop Gratuito de Dança em Coari

O projeto “Corpos”, contemplado pelo edital Paulo Gustavo, oferece aulas gratuitas de Dança Contemporânea e Improvisação para jovens e adultos a partir de 11 anos. As oficinas exploram a expressividade corporal, a improvisação e o aprimoramento de técnicas básicas, com direito a certificado ao final do curso e uma demonstração artística para a comunidade.

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Garantianos
Folclore
Archipo Góes

Correcampenses x Garantianos

A crônica Correcampenses x Garantianos, narra a rivalidade entre os bois-bumbás Corre-Campo e Garantido em Coari, marcada por brigas e um episódio de violência em 1989. A retomada do festival em 1993 e a vitória do Corre-Campo geraram reações distintas. A crônica reflete sobre a polarização social, a cultura popular como identidade local e a importância da tolerância para a harmonia.

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Santana
Literatura
Archipo Góes

Um dia de Santana em Coari em uma Igreja Ministerial

O texto narra a vivência da festa da padroeira de Coari, retratando a devoção à Santana, a padroeira da cidade, e a importância da fé para o povo local. A narrativa destaca a movimentação do porto, a participação dos trabalhadores da castanha, a procissão, a missa e o arraial, revelando a religiosidade popular e a cultura local. A história do patrão e dos trabalhadores da castanha ilustra a exploração do trabalho na região, enquanto a presença do bispo e dos padres reforça o papel da Igreja Católica na comunidade. O texto termina com a reflexão sobre a fé, a esperança e a importância da preservação da tradição.

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Guadalupe
Literatura
Archipo Góes

O Trio Guadalupe – 1987

O texto narra as memórias da autora sobre sua infância na década de 80, marcada pela paixão por filmes de dança e pela amizade com Sirlene Bezerra Guimarães e Ráifran Silene Souza. Juntas, as três formavam o Trio Guadalupe, um grupo informal que se apresentava em eventos escolares e da comunidade, coreografando e dançando com entusiasmo. O relato destaca a criatividade e a alegria das meninas, que improvisavam figurinos e coreografias, e a importância da amizade que as uniu. Apesar do fim do trio, as memórias das apresentações e da cumplicidade entre as amigas permanecem como um símbolo daquela época especial.

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França
Literatura
Archipo Góes

O boi de França e o boi de Ioiô

O texto “O boi de França e o boi de Ioiô” é um importante documento histórico que contribui para a compreensão da cultura popular e da tradição do boi-bumbá no Amazonas. Através de uma narrativa rica em detalhes, o autor nos leva de volta ao ano de 1927 e nos apresenta aos personagens e eventos que marcaram a introdução dessa importante manifestação cultural em Coari.

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Coari

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