Manuela Dantas
O texto descreve uma viagem nostálgica da autora ao ser transportado de um trânsito parado para memórias de infância nos anos 80 em Coari. O caminho até a escadaria envolvia passar por figuras e locais marcantes da cidade. Ao chegarem ao rio, ela passava horas flutuando e apreciando aquele cenário.
Sinal fechado, trânsito parado, no rádio do carro toca: ♫♪ Toda vez que o seu namorado sai, você vai ver outro rapaz… ♪♫ de repente minha mente sai da pista e vai para Coari e me perco nas memórias de algum sábado dos anos 80.
Um calor de lascar, um ócio típico daquela época, o rio te chamando para passar a tarde de bubuia. Era hora de pegar a boia de câmara de pneu de caminhão para uma manutenção básica. Eu e meus irmãos saíamos caminhando pela calçada quente, indo em direção à oficina do Izaque. Ali esperávamos ela ser enfiada em camburão de água para identificar os furos. Depois dos devidos remendos, ela estava pronta.
Nos meus sonhos de brincadeira infantil queria acomodar meu corpo esguio no interior da boia e sair rolando ladeira abaixo, igual nos filmes de comédia de “roliúde”. Mas a rua de tijolos não me permitiria chegar muito longe. Já que meu sonho de cinema não podia se realizar, o jeito era levar a boia nos ombros e garantir que ela chegasse inteira na escadaria.
Assim seguíamos descendo a rua 2 de Dezembro. Passávamos pelo seu Nordir, Frazão, com um forró tocando embalado pelos “Inimigos do ritmo” (Era assim que meu avô chamava a banda que costumava tocar lá kkkk). Depois pela venda do seu Pedro, do Arara Amarela bar e da luz vermelha, que sempre tinha um som de Reginaldo Rossi com o volume no toco e uns bêbados dançando. Cruzávamos a praça, cumprimentávamos seu Sidrônio que sempre ficava na calçada da sua loja, dobrávamos a esquina da Pernambucanas com todo aquele colorido de tecidos estampados e bicicletas que me enchiam os olhos.
Ali já estávamos quase chegando ao nosso objetivo final: a escadaria. Andávamos todo o restante da rua XV de Novembro entre a disco de ouro, a loja do meu pai, do seu Osmar, seu Vicente Elias, até jogar a boia quente no rio. Era hora de molhar a dita cuja para esfriar, descansar um pouco nos degraus da escadaria e embarcar.
Cada um se acomodava como dava: ora em cima da boia, ora com o corpo dentro d’água. Nadávamos em direção ao cais e ali, debaixo daquela sombra, ficávamos por horas, pulando dos ferros que sustentam o porto, sentindo o vento, apreciando o rio, até o engilhar das mãos alertar que já era de voltar. Ouço a buzina de um carro, o sinal abriu. Sigo cantando: ♫♪ “… dizem, que o seu coração, voa mais que avião, dizem que seu amor, só tem gosto de fel. Vai trair o marido, em plena lua de mel” ♪♫.
Manuella Dantas
Autora da crônica
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Entrevista com Mara Alfrânia, Miss Coari 1990
6 comentários em “Escadaria”
Amo seus textos mana. Toda vez eu choro 🥰🥰
Lembrei da minha infância.
Saudades desse tempo, só ficaram as recomendações.
Há muitas histórias por todo o percurso do caminho à escadaria. São sempre grandes lembranças.
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