Archipo Góes
Nesse texto vamos narrar a sagra do Frei italiano Gregório José Maria Bene em três missões diferentes no Brasil.
O principal personagem desse texto, chama-se Gregório José Maria de Bene (Giovanni Battista Morra). Religioso italiano da ordem dos Capuchinhos, tendo o título de Frei, que vem do latim “frater” e significa “irmão”. O título de frei é dado a um católico consagrado que pertence a uma congregação e segue suas regras e ideais. Durante o texto vamos ver sua participação da revolta em São José do Queimado, no Espírito Santo; sua atuação com os povos indígenas no Rio Negro e finalmente sua participação na mudança da freguesia de Alvellos para Coary.
Ele nasceu em 4 de junho de 1798, e chegou à América em 1844. Quando em suas viagens ao Rio de Janeiro, conheceu a também italiana Tereza Cristina, Imperatriz do Brasil. Eles desenvolveram uma amizade facilitada pela língua mãe e os projetos abolicionistas compartilhados por ambos.
A Revolta de Queimados
A Revolta de Queimados foi o primeiro e principal momento sobre as atividades do Frei Gregório José Maria Bene no Brasil que vamos narrar. O cenário ou palco foi a antiga região da freguesia de São José de Queimados, hoje distrito do município de Serra, no estado do Espírito Santo.
Na freguesia de São José de Queimados se concentravam uma grande quantidade de engenhos e fazendas, em que a força de trabalho era a exploração da mão-de-obra dos escravizados afro-brasileiros. A região, na época, era considerada uma potência agrícola e econômica dos capixabas.
Gregório Bene era conhecido como defensor dos ideais de liberdade. Ele tinha interesse em construir uma igreja na região, e teria garantido a negociação das cartas de alforria com os donos de fazendas, em troca da construção do templo pelos escravizados. Há outros relatos de que o Gregório não teria garantido a alforria, e, sim, prometido interceder junto aos fazendeiros para obter a concessão da liberdade, e pedir a Imperatriz Tereza Cristina que colocassem São José de Queimados em seus projetos de abolição para o pagamento da indenização aos fazendeiros.
Os relatos dos moradores da época indicam que o Frei Gregório realmente não admitia a escravidão e que teria estabelecido uma estreita ligação com os negros escravizados, o que preocupava e contrariava quem usava a mão de obra escrava para enriquecer.
Entre os anos de 1845 e 1849, ocorreram as obras de construção da Igreja. No primeiro domingo de agosto de 1845, houve o lançamento da pedra fundamental da Igreja de São José de Queimados. A cerimônia foi coordenada pelo Frei Gregório Bene que fez um discurso com objetivos de unir as forças político-econômicas e religiosas para a construção da igreja, contudo, contando com a mão de obra dos negros escravizados, que iniciavam seus serviços, após a jornada de trabalho nas fazendas.
Algumas reuniões aconteceram e as expectativas foram criadas por parte dos escravizados na esperança das sonhadas cartas de liberdade. No dia do padroeiro São José, 19 de março de 1849, data de inauguração da Igreja, aproximadamente 200 escravizados foram ao evento festivo. No entanto, nada do esperado aconteceu, o que provocou grande decepção e revolta nos negros presentes.
O Frei Bene não assumiu as promessas. E assim, deu-se início a grande batalha dos negros escravizados da região. Percorrendo as fazendas e os engenhos, exigiam as cartas de alforria antes prometidas. A polícia militar do estado entrou em ação para reprimir a Insurreição com o uso da força. A insurreição foi caracterizada por muita violência, especialmente na contenção, por parte da Polícia da Província, e durou 05 dias, até a prisão de seu principal líder, Eliziário Rangel. Sendo que a maioria dos escravizados foi brutalmente assassinada e seus corpos jogados na hoje chamada “Lagoa das Almas”.
No dia 30 de maio de 1849, aconteceu o julgamento dos revoltosos, resultando em 05 condenados à pena de morte, 25 condenações a açoites e 6 absolvições. Outros 05 morreram na cadeia por maus-tratos ou por doenças.
Frei Gregório Bene na Amazônia
Após o ocorrido, o frei Gregório José Maria Bene foi transferido para o Grão Pará. No ano seguinte, 1850, o Amazonas foi elevado à categoria de Província, acontecendo a sua tão esperada emancipação política.
Para amenizar a situação nas localidades isoladas no interior do Amazonas, o presidente da província, João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, investiu na vinda de missionários, inicialmente da província do Pará. Vieram no primeiro momento, o Frei Carmelita José dos Santos Inocentes e o Frei Capuchinho Gregório José Maria de Bene.
Em 11 de fevereiro de 1852, a presidência da província criou a Missão dos rios Uaupés e Isana (afluentes do Rio Negro), confiando-a ao capuchinho italiano Gregório José Maria Bene. Na constituição das aldeias, Frei Gregório contou com o apoio de várias lideranças indígenas ou Tuxauas. Morava na sua pequena cabana isolada, que ficava numa ilhota do rio. Frei Gregório fundou 13 aldeias no rio Uaupés, uma no Papurí e outra no Tiquié. A população missionária era de 2.286 indivíduos e 163 casas habitadas e os habitantes pertenciam às etnias Chucuana, Tukano, Tariano, Juruá, Cainatary, Ananá (wanano), Cubeo, Bejú e Piratapuyo.
No ano de 1854, o agora Padre Gregório estava com 56 anos e foi quando pediu sua exoneração, sendo transferido para o rio Solimões, na freguesia de Alvellos (Coary). Sua aposentadoria marcou o início do declínio das missões capuchinhas, que até então contavam com apenas 03 missionários no Amazonas. No dia 1 de agosto de 1854, o Presidente da Província nomeia o Frei Gregório José Maria Bene a exercer as funções de Vigário na Freguesia de Alvellos no município de Coary, que foi separado de Tefé (Ega) em 1848.
Em 1854, João Wilkens de Matos trouxe novas informações sobre a freguesia de Alvellos em seu Roteiro de Viagem:
“Já não havia mais índios bravos. Atualmente não habita horda alguma gentílica nos rios Coary, Urucu e Aruan, segundo informações de pessoas acostumadas a navegá-los para colherem castanhas de que muito abundam as suas margens. A freguesia de Alvellos incluía em seus domínios doze casas de palha, e uma população de 1.100 habitantes, dos quais, mais de dois terços habitavam em sítios longe da sede”.
“A posição em que está este Povoado não oferece proporções para o seu desenvolvimento; é açoitada de ventanias fortes, o solo é árido e a distância em que está da foz do rio dificulta o acesso, principalmente no tempo da seca, por haver uma cachoeira (corredeira) na parte mais estreita da baía, que só permite passagem a montarias”.
“Os habitantes de Alvellos estavam desejosos de criar outro povoado junto da foz do rio Coari, onde oferece outras proporções a sua prosperidade que não a atual situação. Em virtude de representação dos próprios moradores, foi a Presidência da Província autorizado por uma Lei Provincial promulgada de 30 de setembro de 1854 a transferir a Matriz da Freguesia para o lugar designado pela mesma Presidência, junto a foz do rio Coary, justamente aquele que se assenta hoje a cidade”.
O vigário, Gregório José Maria Bene mudou-se com os sinos da igreja, que se desmantelou, trouxe os seus poucos paramentos, engenhou uma capela na nova localidade (Coari Novo), e veio acompanhado de alguns de seus fregueses, que ou não tinham interesses enraizados na antiga povoação, ou compreenderam melhor as vantagens da mudança projetada e só em parte realizada.
A história perdoou Gregório Bene sobre a revolta de queimados, e ele veio finalizar sua vida trabalhando como missionário no Amazonas, fazendo a mudança da freguesia de Alvellos para a atual cidade de Coari.
Coari-AM, 3 de janeiro de 2023
Leia mais em:
Minhas Memórias da Festa da Banana – 1989 a 1991
Projetos desenvolvidos em Coari resgatam a cultura popular
Morre Joaquim Melo, o grande fomentador da cultura – 2023
8 comentários em “Gregório José Maria Bene e a Mudança da Freguesia de Alvellos – 1855”
Muito bom, meu amigo historiador Archipo.
Obrigado grande Nelson Peixoto
Pingback: A história da promoção da saúde em Coari (1854 - 2004) – Cultura Coariense
Pingback: Coari: avião cortou a cabeça de dois homens - 1971 – Cultura Coariense
Pingback: Coari no Século XIX: um ensaio sobre a formação do povo coariense – Cultura Coariense
Pingback: Padre Samuel Fritz - Uma Saga no Solimões – Cultura Coariense
Pingback: Deolindo Dantas - 1895 – Cultura Coariense
Parabéns, é nostálgico conhecer a história de Coari eu fico viajando nessas fotos e histórias
….. obrigado pelo conhecimento