Por Adriana Brandão
Reportagem publicada em 07/03/2005
A escritora coariense Maria Creuza de Souza vive na França há quase vinte anos. Sua obra de ficção é inspirada na tradição oral, nos contos e lendas dos povos da floresta amazônica
A escritora coariense Maria Creuza de Souza vive na França há quase vinte anos. Sua obra de ficção é inspirada na tradição oral, nos contos e lendas dos povos da floresta amazônica.
Oficialmente, Maria Creuza de Souza tem 54 anos, mas ela afirma ser dois anos mais nova. Como era costume na sua juventude num vilarejo às margens do rio Amazonas, sua idade foi aumentada para que ela pudesse se casar. Maria Creuza nasceu na ilha de Botija, que fica a três dias de barco rio acima de Manaus, numa família mista e numerosa. O pai caboclo era viúvo e tinha três filhos quando se casou com a mãe, também viúva e com sete filhos. Do novo casamento, nasceram mais três filhos.
A ilha da Botija pertencia ao avô materno de Maria Creuza, de origem europeia. Ele emigrou para o Brasil na virada do século vinte. Foi primeiro para o Ceará, onde conheceu a mulher, também de origem europeia, antes de se instalar na Amazônia na época do ciclo da borracha. Maria Creuza desconhece a origem exata dos avós maternos, mas reivindica ser fruto dessa mestiçagem cabocla/nordestina/europeia que ajudou a colonizar as regiões ribeirinhas do Amazonas.
Um imaginário formado pela mistura da cultura cabocla e europeia.
Aos seis anos, Maria Creuza se mudou com a família para a cidade vizinha de Coari, onde passou sua infância e adolescência embalada pelos contos tradicionais e lendas orais da Amazônia. Estórias encantadas do boto, da cobra-grande, jiboias e outros animais estranhos, da Mãe d’água, Mãe do mato, Curupira que ela ouvia ao mesmo tempo que fábulas de La Fontaine e romances europeus sobre príncipes e princesas de reinos longínquos, orientais, desconhecidos e irreais que eram contados pela mãe.
«As estórias de um mundo tão próximo, misturadas às outras de um mundo impalpável, aumentaram meu horizonte imaginário», gosta de repetir Maria Creuza. Suas duas vocações: professora de letras e escritora, revelam a busca de um denominador comum entre essas duas culturas.
Maria Creuza é a única de todos os seus irmãos a ter feito um curso superior. Ela é formada em Letras Modernas, pela Universidade de Manaus, cidade para onde se mudou e viveu até 1986, quando veio para a França. Ela dava aulas de francês na capital amazonense quando recebeu uma bolsa de estudos para fazer uma especialização pedagógica de um ano em Sèvres, subúrbio parisiense.
Escritora no estrangeiro
Como outros estudantes brasileiros que vêm estudar na França e decidem ficar por motivos pessoais ou profissionais, Maria Creuza acabou ficando em Paris, com os três filhos. Apenas com o visto de estudante, não conseguia trabalhar corretamente para sustentar a família e muito menos continuar os estudos.
Em 1992, obteve finalmente um visto de residente. Trabalhou em instituições de prestígio, como a Ecole Normale Supérieure onde chegou a ensinar português para pesquisadores franceses, mas pôde principalmente retomar os estudos e concretizar um sonho antigo: escrever. Quase como uma antropóloga, Maria Creuza passou para o papel as estórias encantadas da Amazônia que ouvia na infância para divulgar «essa terra muito falada, mas pouco conhecida».
Uma iniciativa que não interessou muito os editores franceses. Depois de algumas recusas, Maria Creuza de Souza decidiu bancar ela mesma a publicação de seus livros. Criou uma empresa, a Jatyba Produção e Criação, e lançou até agora três livros, em francês: La Source de l’Amazone murmure le roman du soleil et de la lune; Contes de Nuit e Contes et légendes d’Amazonie. Todos são ilustrados pela paranaense Márica Széliga.
Nenhum dos três livros foi lançado no Brasil, mas ironicamente a escritora vende muito mais exemplares no Amazonas do que na França. Apesar de viver há quase de vinte anos em Paris e se sentir integrada, a escritora Maria Creuza de Souza pensa em trocar seu pequeno quarto e sala no décimo nono distrito de Paris pela imensidão da floresta amazonense que ainda alimenta seus sonhos e saudades.
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