Bessa Freire
Pequena crônica literária “O pelicão” de Bessa Freire que aconteceu na década de 60 no seminário de Coari;
Pedro Américo. Do sobrenome eu não lembro, mas o nome era Pedro Américo, mais conhecido como Pelicão. Por onde andará o Pelicão? Faz mais de 55 anos que dele não tenho notícias. Seu pai, rico fazendeiro de Roraima, queria porque queria um filho padre e o internou no seminário redentorista de Coari (AM). Sua chegada naquele celeiro de meninos pobres foi espetacular, triunfal. Trazia seis malas cheias de roupa fina e cara, incluindo onze camisas coloridas de um time de futebol, joelheiras e tornozeleiras. Com isso, apesar de ruim de bola, ganhou o lugar de goleiro titular da seleção do seminário.
O apelido surgiu numa sessão de Hora Amadora, organizada a cada semestre, com programação que incluía esquetes teatrais, canto, dança, narrativas e recital de poesia apresentados pelos alunos mais exibidos. Em sua primeira atuação, Pedro Américo, vestindo espalhafatosa camisa de seda estampada de onça, contou a história dramática do pelicão, ave de grande porte, sanguinária, bico comprido, que não encontrando peixes para se alimentar, mata os próprios filhotes e bebe com avidez o sangue deles. Tanta crueldade provocou lágrimas em cascatas no distinto público.
Ninguém ali conhecia aquela história, salvo Aristides, o Xerife, leitor contumaz do Tesouro da Juventude que se apressou em subir ao palco e dizer que estava tudo errado. Não era pelicão. A ave, parente do biguá e do mergulhão, se chamava pelicano. E não matava a prole. A contrário, na falta de comida, furava o próprio peito para extrair o sangue com que alimentava seus filhotes. Morria, dando a vida por suas crias. Por isso, era o símbolo da Paixão de Cristo. Foi aí que Pedro Américo, desmoralizado, levou a maior vaia da paróquia e ficou com o apelido de Pelicão.
No internato de Coari, a palavra Pelicão passou a simbolizar engano, inversão dos fatos, distorção da realidade, o mundo de revestrés. Assim, Pedro Américo, que era um grande “engolidor de frangos”, fazia pose de goleiro elástico capaz de dar voos acrobáticos para pegar a bola lá no ninho da coruja. Era o Castilho do Solimões. Tudo potoca, invencionice, lorota.
José Ribamar Bessa Freire
Leia tabém:
Minhas memórias do festival folclórico coariense (1976–1993)
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1 comentário em “O Pelicão – 1968”
Muito interessante a história, sem contar
Que é uma comédia. É maravilhoso conhecer
Fatos marcantes de nossa cidade. Parabéns
Meu ANJO!