Archipo Góes
Nesse texto vamos narrar como aconteceu a promoção da saúde em Coari.
Um conhecimento que todo estudante da área de saúde em Coari deveria ter como base em seu aprendizado, seria uma análise de como se deu a história do sistema de saúde em Coari. Uma vez que, a promoção da saúde em Coari aconteceu de forma carente e insatisfatória. Durante toda a história do município de Coari, a área de saúde não teve grandes investimentos até a segunda metade do século XX. O principal motivo dessa deficiência foi a falta de verba para o investimento ou o descaso dos políticos através do tempo?
No primeiro momento os processos de curas eram totalmente tribais, exercidos pelos pajés e conhecidos como xamanismo ou xamanismo indígena. O xamanismo é uma prática espiritual e curativa que envolve a comunicação com o mundo espiritual e a utilização de técnicas como a meditação, a visualização, o canto, a dança e a ingestão de plantas medicinais para alcançar estados alterados de consciência e curar doenças.
Os pajés são considerados líderes espirituais nas culturas indígenas das Américas e desempenham um papel importante na cura de indivíduos e comunidades. Eles utilizam suas habilidades espirituais e conhecimento das plantas medicinais para tratar doenças físicas, mentais e emocionais.
Essa tradição depois passou a ser exercida pelas benzedeiras e pelos conhecimentos sobre as plantas dos ribeirinhos. A cura pelas plantas é uma prática antiga que tem sido usada por muitas culturas para tratar doenças e promover a saúde. Também é conhecida como fitoterapia e é uma forma de medicina complementar que utiliza plantas medicinais para tratar doenças e promover a cura.
Em Coari, tivemos dois personagens que promoveram a saúde em momentos diferentes. O primeiro foi o maranhense Benedicto Edelberto de Góes, conhecido por professor Góes, que chega em na vila de Coary em 1891 e até 1939 fazia atendimentos com os próprios remédios que ele pesquisava e fabricava através da homeopatia. A partir de 1939, chega na cidade de Coari o português Francisco Pereira Baptista, conhecido como Chico Enfermeiro, um profissional que cuidou com dedicação, amor e zelo da saúde da população coariense. Era uma pessoa sempre disposta a atender aos que necessitavam de sua ajuda, a qualquer hora que era solicitado atendia a todos sem distinção.
O acordo entre o presidente brasileiro Getúlio Vargas e o presidente dos Estados Unidos Franklin D. Roosevelt, firmado em 1942, teve como objetivo fortalecer a aliança entre os dois países na Segunda Guerra Mundial e promover a cooperação em áreas como defesa, comércio e cultura. Após a assinatura do acordo, surgiram vários projetos de cooperação entre Brasil e Estados Unidos em diversas áreas. Dois exemplos que afetaram diretamente a cidade de Coari são: A criação do SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) e a vinda dos padres Redentoristas para a Amazônia.
O SESP foi criado em 1942, a partir de acordo entre os governos brasileiro e norte-americano, tendo como funções, o saneamento de regiões produtoras de matérias-primas, como a borracha da região. O SESP expandiu e construiu redes de unidades de saúde locais, focando tanto a medicina preventiva como a curativa, tendo como eixo principal, a educação sanitária.
A ação do Sesp no Amazonas também era estratégica para a política de Getúlio Vargas, uma vez que, a instalação de serviços de saúde em regiões com pouco investimento público significava uma forma de estender o poder do governo até essas localidades.
O posto do SESP em Coari foi instalado em 1943, na rua 5 de setembro, no Centro de Coari (atual policlínica Dr. Roque Juan Del’oso).
Consta nos jornais que em 1960, que o carioca, Dr. Domingo Silva Santos, médico do Sesp em Coari. Em 1962, houve a construção de uma residência para médico do SESP em Coari. E em 1965 foi restaurada a unidade sanitária de Coari.
As Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo
A partir da chegada das Irmãs ASC em 25 de dezembro de 1947 houve uma profunda mudança na sociedade coariense. As irmãs que a princípio não haviam planejado se estabelecer nas terras coarienses, viram todas as possibilidades e parcerias para alcançar os objetivos de suas missões no Brasil.
Começaram construindo uma pequena escola paroquial e um ambulatório, no qual, a Ir. Jane Frances era a encarregada dos atendimentos. Esse pequeno ambulatório, anos mais tarde, veio a se tornar o Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Atualmente, esse hospital, ficaria ao lado da Rádio Educacional Rural de Coari, na rua Gilberto Mestrinho, Centro.
Enedino Monteiro
Nesse momento, iremos narrar sobre as atividades na área de saúde do senhor Enedino Monteiro da Silva. Um dos grandes vultos históricos coarienses que atuou como líder religioso, líder político (foi vereador e prefeito), promotor de justiça e agente de saúde através das suas consultas farmacêuticas em sua drogaria, denominada de “Drogaria do Povo”.
O senhor Enedino possuía habilidade ambulatorial e o conhecimento técnico farmacêutico em relação aos medicamentos e tratamentos, e foi capaz de fornecer informações valiosas e precisas para ajudar a carente população coariense.
A empatia era outra qualidade de Enedino Monteiro; ele possuía sensibilidade emocional em relação aos seus pacientes, com a capacidade de entender as preocupações e necessidades de cada pessoa e fornecer conforto e apoio. Ele lembrava os nomes, histórias e necessidades individuais de cada paciente.
Seu atendimento farmacêutico era muito humano e impactava positivamente na vida dos pacientes, fornecendo conforto, segurança e confiança durante momentos difíceis.
O saudoso comerciante e poeta Waldemar Fonteles escreveu um acróstico em homenagem ao seu irmão maçom da Loja Maçônica Fraternidade Coariense:
Acróstico ao Irmão Enedino
Waldemar Plácido Fonteles
É belo, é gostoso, reviver a vida,
Não ociosamente, mas dentro da lida,
E todos tenha inteligência e tino,
Do aniversário do irmão Enedino,
Independentemente nós celebramos,
Neste dia com alegria recordamos,
O natal do querido irmão Enedino.
Maio, dia quatro, belo e angelino,
Onde comemoramos com alegria,
Não só com palavras, mas com galhardia!
Todo aniversário é festa, é natalino,
E este é o dia do irmão Enedino.
Irmanados com o Grande Arquiteto,
Rogamos do Universo neste teto,
Oração, amor e com sangue purpurino.
Damos parabéns ao irmão Enedino…
Amor, fraternidade e compreensão…
São gestos, carinho que partem do coração,
Irmãos que comemoram com grande ardor,
Levando paz, harmonia, muito amor!
Vamos solenizar estrênuo paladino;
Amando como irmão, o nosso Enedino.
Grande mestre maçônico, conhecedor,
Realizador que tudo faz com fervor;
Adulto, com o espírito de menino,
Ungido do Senhor, este é o irmão Enedino!
Tem honra, tem caráter, tem alegria,
Risonho, ativo, é todo simpatia,
Igual a um anjo, puro e cristalino;
Não é este, o irmão, o Enedino?
Tenho prazer de saudá-lo nesta data,
Além dos irmãos presentes tenho a ata.
Escrita, datada, lida, documentada.
Todo aniversário é uma data festiva;
Rodeados de amigos, irmãos e efusiva,
Enquanto tudo isto tem o seu destino;
Somos gratos com amor, ao irmão Enedino.
Homenagem ao Chico enfermeiro
O Último dos Imigrantes
Manoel Francisco
Quantas lembranças, quantas saudades.
Saudades do Chico, do Chico Enfermeiro.
Francisco Pereira Batista nasceu em Guimarães, Freguesia de São Sebastião em Portugal, no dia 5 de maio de 1892. Chegou a Manaus a 4 de agosto de 1929, onde residiu durante 10 anos, na Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas.
Certo dia chegou à pequena cidade de Coari, um homem branco, alto, de olhos claros; não sei se perdido em nossos rincões, mas veio subindo o rio Solimões. Era o dia 12 de dezembro de 1939.
Tornou-se conhecido na cidade, pelo carinhoso apelido de “Chico Enfermeiro”, dada a sua luta, coragem, abnegação, dedicação e o seu amor e zelo pela saúde do povo coariense, que vivia abalada pelas doenças tropicais, muito comuns na região.
Era uma pessoa excepcional, incansável, sempre disposta a atender aos que necessitavam de sua ajuda, a qualquer hora que era solicitado atendia a todos sem distinção, enviado por Deus, operava milagres por onde passava, com sol causticante, chuvas intermitentes, ou temporal arrasante.
Previu, amenizou e curou a dor deste povo tão sofrido e tão distante da grande metrópole.
Aqui viveu durante 32 anos, casado com D. Francisca Albertina Alves Baptista, com a qual teve 11 filhos, criando-os com dedicação. Abrigou também no seio da família, várias crianças órfãs.
Um dia, o seu organismo sentiu os primeiros efeitos das horas exaustivas que levava.
Primeiro de setembro de 1971. Manhã chuvosa, 6h. Em um dos leitos do quarto sete, do Hospital da Unidade Mista de Coari, morria Chico Enfermeiro, rodeado de amigos e familiares.
A ti, Chico, nossa homenagem.
A ti, Portugal, nossa gratidão.
De Coari, onde uma vez,
com lágrimas se fez.
… a história deste Chico… Tão linda!
Dentistas do Crutac
A instalação operacional do CRUTAC (Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária) em Coari aconteceu no dia 28 de outubro de 1974, sendo que essa ação teve o objetivo de integrar a UA (Universidade do Amazonas) com a comunidade do interior do Amazonas. Dessa forma, foi um esforço de participar do projeto de aceleração de mudanças das condições humanas e sociais das populações interioranas, compartilhado entre diversas universidades brasileiras.
O CRUTAC foi instalado na rua XV de novembro, no Centro de Coari (local onde hoje funciona uma casa lotérica). Uma ação constante foi a permanência de um dentista constante atendendo a população. Fazemos aqui referência ao cirurgião dentista Francisco Ferreira Barros, conhecido como Dr. Assis, que veio a Coari pelo projeto da UA e aqui permaneceu durante toda a sua vida promovendo a saúde em Coari.
Inauguração da Unidade Mista de Coari
Eram 9h de um sábado ensolarado, 6 de março de 1971, e a comitiva do governador Danilo Areosa chegou a Coari para a inauguração do hospital da SUSEMI (Superintendência dos Serviços Médicos do Interior) de Coari. O prefeito Mussa Abrahim Neto (1969 – 1973) recebeu a comitiva e foi um dia repleto de comemorações.
O hospital foi pré-fabricado na Inglaterra, possuindo secretaria, laboratório, banco de sangue, sala de reuniões, centro cirúrgico, com sala de recuperação, maternidade, salas de pré-parto, enfermarias, berçário, inclusive para prematuros, ambulatórios, apartamentos para médicos e parteira, cozinha e refeitório, necrotério, sala de vacinação, gabinete de raios-X, gabinete odontológico e as demais dependências necessárias.
Um dos objetivos secundários do hospital de Coari foi servir de centro de apoio às lanchas da secretaria de saúde e cidades próximas. Isso tudo em uma cidade em que, até pouco tempo, o que tinha de assistência médica era de iniciativa de abnegados Padres Redentoristas, funcionando precariamente. A partir daquela data, Coari passou a ter um hospital moderno, equipado, completo, servido por jovens médicos saídos do Projeto Rondon para dar-lhe a assistência.
Sutura do Miocárdio em Coari – 1977
No dia 10 de setembro de 1977 aconteceu uma sofisticada cirurgia no Hospital de Coari. O médico Jorge de Almeida Brito fez uma intervenção operando o coração do senhor Hélio Alves de Souza. Tal fato foi noticiado no Jornal Nacional da Rede Globo de televisão.
Apesar da pouca repercussão no cenário público amazonense. O Dr. Deodato de Miranda Leão, diretor do hospital Getúlio Vargas, comentou o fato na imprensa: “Realmente foi um grande feito que aquele colega e amigo realizou em Coari. Sem os recursos dos grandes centros cirúrgicos ele conseguiu realizar com absoluto sucesso a cirurgia”.
Deodato de Miranda Leão, disse ainda que o médico Jorge de Almeida Brito é um moço inteligente e um excelente anatomista: “razão pela qual não teve grandes dificuldades para a realização do seu trabalho”.
Jorge de Almeida Brito já foi Diretor do Hospital de Maués, além de inúmeros serviços que vem prestando ao Estado através da SESAU, onde milita há alguns anos. Hoje, é o médico-diretor da unidade Mista de Coari, de onde vem realizando excelente trabalho no campo da saúde e que às vezes, por força de sua profissão e sem as condições dos centros maiores, é obrigado a fazer verdadeiros “milagres”, como o da sutura do miocárdio, comentada inclusive pelo “Jornal Nacional” da Rede Globo.
Novo Sistema de Saúde em Coari – 2004
Podemos perceber que por toda a história de Coari, sempre tivemos a área de saúde com grandes deficiências e a população padecia com falta de instalações e de profissionais da área de saúde. O hospital de Coari não possuía equipamentos de apoio a diagnósticos e a maioria dos profissionais não tinha habilitação para as áreas que exerciam.
Durante os anos 90, a implantação do SUS e seus princípios (universalidade, integralidade, equidade, descentralização, regionalização, hierarquização, participação social, etc) foram totalmente ignorados em Coari, à revelia da lei e do bem-estar da população. Apesar do Dr. Santana, médico sanitarista, quando ocupou o cargo de Secretário de Saúde em Coari, tentou a implantação do SUS através dos seus princípios, as autoridades da época não compreenderam a importância da implantação do projeto nacional do SUS em Coari, e pensaram que seria um projeto político pessoal.
No dia 28 de fevereiro de 2004, entrou em total funcionamento o Novo Sistema de Saúde em Coari. Foi uma parceria entre, governo do Estado, a Petrobrás e principalmente a Prefeitura de Coari. Foi uma verdadeira maratona de inaugurações, que durou das 14h às 20h pelos vários bairros. Sendo entregue à população de Coari o novo sistema de saúde, que veio a se constituir na mais moderna rede de assistência médica e hospitalar do estado do Amazonas.
Do sistema fez parte essa estrutura: 01 Hospital Regional (Dr. Odair Carlos Geraldo), com 80 leitos, construído numa área de 3.790 m², com ambulatório, unidade de tratamento intensivo – UTI, maternidade, central de medicamentos, sinalização interna, equipamentos modernos e toda infraestrutura necessária para o atendimento da população.
Foram criadas 11 Unidades Básicas de Saúde em Coari, uma em cada bairro e 02 barcos para atender a zona rural. Essas unidades básicas possuem consultório médico e odontológico, consultório de enfermagem, salas de vacinas, farmácia para distribuição de medicamentos à população e uma equipe de profissionais prontos para lhe atender, de segunda a sexta-feira, no horário de 7h às 19h. Tendo como uma de suas funções básicas o trabalho preventivo através de campanhas educativas.
01 Sistema de Urgência – SOS Coari, com 05 ambulância estruturadas com equipamentos de resgate para pacientes graves.
Os serviços que as UBS passaram a fornecer: consulta médica, consulta odontológica, consulta de enfermagem, programas de acompanhamento: pré-natal, planejamento familiar, controle de combate ao câncer de colo de útero e mama, hipertensão e diabete, hanseníase, tuberculose, crescimento e desenvolvimento da criança, vacinação, bolsa alimentação, DST/AIDS. Visita domiciliar para usuários que não tem condições de se dirigir a unidade de saúde, educação em saúde, curativos, distribuição de medicamentos e inalação.
Agentes Comunitário de Saúde:
Eles foram selecionados na própria comunidade da UBS, mas são profissionais que estavam preparados para orientar as famílias a cuidarem de sua própria saúde e também da saúde da comunidade. Eles trabalhavam em sintonia com sua Unidade de Saúde. Os agentes de saúde em Coari, atendiam aos moradores de cada casa, em todas as questões relacionadas com a saúde.
Coari, 07 de abril de 2023
Archipo Góes
Leia mais em:
Gregório José Maria Bene e a Mudança da Freguesia de Alvellos – 1855
4 comentários em “A história da promoção da saúde em Coari (1854 – 2004)”
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Excelente artigo. Parabéns
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